domingo, 10 de novembro de 2013

CIDADELA

Têm dias que não sei falar da terra gris. Me sobe um nó pela garganta e tranca ali tudo o que vejo e sinto. Nem a caneta consegue traduzir o que me sufoca.

Têm dias que eu não consigo sequer pensar em Rio Grande. Talvez seja porque, nessas ocasiões, o mar está se debatendo, estrondoso, contra a Laguna dos Patos, na entrada da Barra, num rebojo terrível que até poderia causar naufrágios. De fato, em outros tempos, já causou. Destruiu naus, avançou sobre dunas, deixou no leito do canal malas de passageiros e seus corpos, que nunca deram à praia.

Nesses dias de vento e mar tresloucados ando pela cidade e me achego ao cais do Porto Velho. Fico a observar o trabalho dos pescadores em seus barcos, que já não voltam tão cheios como antes, sentindo a maresia agridoce que somente nesta cidadela pode dispersar-se pelo ar. Não creio que seja possível existir outro lugar onde esse cheiro possa ser reproduzido, ou ser considerado igual ao daqui, mesmo podendo ser parecido.

E ando por vielas com mais de dois séculos de existência, procurando algo que se torne meu ou me mantenha em minha época. Mas é impossível. É que, às vezes, Rio Grande não é, assim como eu deixo de ser, e simplesmente se torna um cais fantasma, sem barcos para aportar ou partir.

Há dias assim, que a cidade gris dói em mim de tal forma que, embora eu perceba alguma feiura neste chão, ainda encontro outra coisa muito efêmera e até bela.


É que têm dias que eu não consigo, de jeito nenhum, contar algo do Rio Grande, porque, nesses dias, não sou eu que moro nela, mas é ela que habita em mim.

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