MISCELÂNEA - POESIAS

Sente-se aos meus pés, meu amor,
E sinta a ternura que nos une.
E quando, pelo teu rosto,
Minha mão eu deslizar, 
Haverá nesta carícia,
Feita de vento e de dor,
A intensidade de um beijo
E a leveza do amor.
(sem data)

Angústia

Dói-me a cabeça!
Dói-me a cabeça!
E estes sonhos vagos
Que vou sonhando mesmo acordada...

Dói-me o peito!
Dói-me o peito
E este gosto amargo
Que me trava a palavra...

Deixe-me gritar!
Deixe-me gritar!
Talvez o ar saindo
Possa consigo essa dor levar...

(maio/2004)

Três palavras

Procurei mil sentidos,
Escrevi centenas de frases,
Misturei o alfabeto inteiro.
Mas me interromperam no meio...
Perdi o fio da meada...
Fugiram-me as idéias...
No fim, reatei a linha.
Reencontrei a estrada.
Lancei-me no mundo.
Mas não há idioma perfeito!
Não há melodia inspirada!
Não há poema tão delicado!

Descobri que bastam somente três palavras:
Eu te amo.

(21/11/2005)


Te amo, te amo, te amo!
Isso explode em meu peito,
Pressiona o meu ser...
Se não falo sobe uma ânsia,
Sinto que morro,
Que um momento único foi perdido...
Como não gritar esse sentimento,
Essa cor, essa dor?
Tem dó deste pobre coração!
Ele fala pouco,
Mas sente muito, 
E te ama intensamente!

(sem data)


Ele me olha com olhos meigos
Enquanto escuto esta música.
Estou bem....
O peito sangra, mas fico bem...
Seus olhos me seguem, percorrem meu rosto...
O indício de lágrimas já não existe.
A mente está vazia,
O coração suspira.
Tomo um café, olho pela janela.
Sua sombra ainda está lá fora.
A porta ainda range do mesmo jeito.
Ouço seus passos...
Mas estou bem...
Minha consciência ainda existe!
Minha dor: esta não desaparece...
Ai, ai – sussurra o vento nas árvores.
A noite é silêncio...
Enquanto ele me olha.

(21/11/2005)


Porto

Há um porto seguro aqui:
O mar, por vezes, é revoltoso.
Mas sempre é possível atracar.

Há uma enseada ampla aqui:
O vento sopra forte, a tormenta ruge,
Mas é um refúgio acolhedor aqui.

As ondas explodem contra a areia branca, 
Sua espuma borbulha.
Mas a água refresca o corpo.

O cenário, embora bravio, é límpido e belo.
Refulgente, brilha a luz
Sobre o mar e a praia.

Mas há um porto aqui:
Amplo, seguro, belo, acolhedor,
Apaziguando qualquer dor.

(03/12/2005)


Em dor flui o riacho.
Contido por suas margens, 
murmurando sua insatisfação,
Acaricia dolente a grama.
Leva consigo, num turbilhão,
Pedaços de terra, folhas, vegetação...
Aquele inseto desavisado... galhos retorcidos...
Uma donzela louca, que pensou ser Ofélia.

Viaja frenético!
Quer chegar ao mar, quer se expandir...
Livrar-se dos dejetos...

Mas é apenas um riacho!
Nasce na serra, pequenino.
Rega uma ou duas cidades,
E se acaba num lago tranqüilo.

(07/12/2005)


Grafite

Rabisco um fino traço.
Passo o dedo, esfumaço.
Percorro a superfície com os olhos:
Apago...
Dolorosa ânsia... aproximo a folha da face.
Sinto suas possibilidades... refaço.
A brancura da folha me constrange:
Cansaço!
Retomo a tarefa... analiso o espaço.
Brota em mim um sentimento: já não é afeto!
É uma necessidade... amasso.
Grafitando, fui compondo o quadro.
Aqui e ali... sombras e luzes...
Um esboço ou retrato.
Não vou me livrar!... Me embaraço.
Passo a mão quando termino.
Afago o perfil... suspiro.
Murmuro palavras intensas: me afasto.
Não está completo: falta um pedaço ou compasso.
Mas é meu e isto é um fato!

(07/12/2005)


Caminho sob a chuva.
O mundo através de figuras geométricas...
Aparar arestas,
Circular barreiras,
Preencher vazios!
Alguém dará aquele presente?
Alguém escreverá aquela carta?
Alguém dirá palavras ao ouvido?
A chuva afaga minhas mãos,
Escorre por entre os dedos...
Limpa o pó dos sapatos.
As solas gastas,
A roupa batida,
O rosto suado...
Lava em mim o pouco que restou!
Estrada longa! O passo já não é rápido.
E a chuva continua a cair sobre o telhado frágil.

(20/12/2005)


As horas

Soou o címbalo, o tempo esgotou-se.
Com os olhos arregalados, suspensa a respiração:
Como pôde fugir assim a percepção?
A onda quebrou na areia,
O pássaro gritou no bosque:
Como pôde ficar assim imóvel?
Escoaram-se as horas, 
fugiram-se os minutos,
Entre os dedos enrijecidos...
Braços pendentes, pernas dolentes.
E no peito só a agitação.
Nos olhos: contida a irritação!
Na boca: velada a decepção!
Agora só restam folhas 
para descrever essa sensação.

(25/01/2006)


Nuvens

Mudou de cor o céu. 
A paisagem ampliou-se.
Somente não muda o horizonte.
Falta-me o vento sussurrando,
Afagando minha face, espalhando,
Para longe, esses flocos de algodão
Já não tão brancos.
Onde estás brisa inconstante? Para onde fugiste?
Em que montanhas te encurralaste?
Agora, ficam as nuvens com suas figuras exóticas
(ali uma girafa, acolá um dragão)
pairando sobre mim...
Essa sombra pesa!
Ribomba o trovão, um raio risca o chumbo do céu.
Na minha mão, o rosto apoiado:
Olhos perdidos...
Só me resta olhar pela janela,
Enquanto a chuva se faz poça no chão.

(03/02/2006)


Eu coloquei minha vida em tuas mãos.
E agora não sei o que fazer.
Eu rasgaria minha carne por ti,
Mas não gostaria que fizesses isso por mim.
Eu ainda acredito que tudo vai passar.
Me dê um tempo, eu só preciso chorar.
Esse momento é difícil,
Mas não sei o que te dizer.
Gostaria que tudo fosse diferente,
Que eu fosse uma pessoa tranqüila.
Mas ainda acredito que isso vai passar.
Nunca fui muito resignada, eu sei.
Mas esse é o momento para isso.
Não se rasgue por mim,
Pois só quero um momento de solidão.
Isso dói, eu sinto tua dor, eu sei...
Mas se não for assim, como vai ser amanhã?
Me deixe chorar sozinha um pouco.
Amanhã isso terá passado 
e eu poderei sorrir para ti outra vez.
Vou chorar sozinha só por um momento. 
Depois poderás me abraçar outra vez.

(26/07/2007)


Universo

Feche os olhos por um minuto:
Rasgou-se em duas a cortina.
Como reunir o antes e o depois? 
Braços distendidos, esforço extremo.
Não bastam músculos exaustos.

Feche os ouvidos por um minuto:
O caos ressoa ainda.
Como olvidar o alarde?
Mãos que protegem, dor aguda.
Não bastam tímpanos feridos.

Feche a boca por um minuto:
O grito repercute no espelho.
Como calar o angustioso silêncio?
Lábios cerrados, ranger de dentes.
Não bastam palavras debeladas.

Feche os punhos por um minuto:
A emoção contida no meio.
Como desprezar o começo?
Mãos suspensas, ação irrefletida.
Não bastam gestos supremos.

Feche o mundo por um minuto:
O refúgio tornou-se pequeno.
Universo em fase terminal.
Olhos, ouvidos, lábios, mãos...
Como suportar o derradeiro?

(8-10/11/2007)


Tudo já foi dito.
Por que remexer os móveis,
Revirar as almofadas, 
Deslocar os sofás?
A poeira voltará a cobri-los.
A escuridão retomará os cômodos.
A música silenciará.

Tudo já foi feito.
Por que reformar a casa, 
Trocar as janelas, 
Mudar as fechaduras?
A pintura envelhecerá.
O mofo ressurgirá.
O tempo passará.

O dia já findou.
Tudo já foi dito.
Tudo já foi feito.
E o resto...
O resto realmente importará?

(15/11/2007)


Sussurros

Com quem falar senão contigo?
A quem implorar senão a ti?
Nem sei, ainda, porque choro.
Meus olhos, 
Quais rios durante a estiagem,
Já não deveriam produzir qualquer lágrima.
Estão empoeirados, ressecados.
Mas, como uma fonte em agonia,
Teimam em lançar um mísero filete de água.

Ecoa em mim esta solidão.
Peço complacência:
É em vão!
Uma pequena compreensão.
Só escuto: não!
O que fazer, então?

Rasgar as velhas roupas.
Jogar fora antigas fotografias.
Desfazer-me dos meus diários.
Quebrar todas as canetas.
Não escrever mais, não!

Eliminar qualquer sensação.
Sufocar qualquer dor.
Reprimir qualquer emoção.

Oh! Quão bom seria retomar
A primitiva ignorância.
Desconhecer todos os fatos.
Calcar n’alguma parte ignota do cérebro
Essas imagens que aqui estão.
Fantasmas que reaparecem de ano em ano,
Sussurrando frases temerárias,
Aterrando-me com sua sofreguidão.
Encurralando-me em cantos obscuros.
Levando consigo, pouco a pouco,
Minha razão.

(23/11/2007)



Dê-me tuas mãos.
Cubra, com teus fortes braços, 
Meu corpo frágil.
A tempestade rugiu lá fora...
Eu tremi aqui dentro.
Minha mente desligou-se de mim.
Tua força me fez, mais uma vez, retornar.

Dê-me teu coração.
Proteja-me com ele.
Diga que ficarei bem.
Vou acreditar nisso, tu sabes.
E amanhã o sol vai raiar para mim.

(08/12/2007)


Introspecção

Amo o silêncio da casa vazia,
a música ecoando candidamente,
enquanto pensamentos surgem e vão.

Odeio a solidão da casa cheia,
sentimentos desencontrados,
enquanto sangra o coração.

Amo a conversa nos cômodos minúsculos,
risadas contagiantes,
carinhos que transportam à imensidão.
Odeio esta contradição!
Casa cheia, coração vazio.
Silêncio no espaço, sibilante vibração...
pensamentos que vêm em profusão...

Como silenciar esta solidão?
Como dar voz a esta agitação?
Corpo, mente, espaço...
Não há refúgio desta introspecção!

(10/02/2008)


Autobiografia

Estou tão triste!
De uma tristeza que não tem fim nem começo.
Esta angústia oprime meu peito.
Sou sempre assim:
por vezes tão contente...
no mais das vezes: aflição! 
Padeço quando estou alegre,
alegro-me quando padeço.
O que posso dizer?
Simbiose tão estranha! 
Aberração?

Reflexões profundas,
compaixão intensa.
Como evitar sentir a dor dos que a dor sentem?
Como não estender-lhes a mão,
mesmo que arranquem de mim até o que não tenho?

Sobreviver é o que me restará ao final.
Maltrapilhas as vestimentas, dolorido o coração.
No rosto, as marcas do esforço,
no íntimo: gloriosa gratificação!

(10/02/2008)


Metamorfose

Alguma coisa mudou.
A casa transformou-se.
Os cômodos ampliaram-se.
Observo pela janela, receosa.
Entrevejo cantos, antes obscuros, 
repletos de adornos desconhecidos,
mas de uma beleza etérea.
Há fotos, dantes incógnitas,
 que decoram as paredes.
Empurro a porta mansamente.
Adentro o recinto.
O ar...respiro livremente.
A quem questionar?
Como descobrir o que se transmudou?
Ou a origem desta metamorfose?
Permanecerá assim esta casa,
anteriormente tão conhecida,
e agora tão repleta de ornamentos
 e interrogações inexprimíveis?
Lugar estranho, contudo reconfortante.
Acomodo-me no sofá,
Do que daí virá, à espera.

(16/02/2008)


Nuvens vêm e vão.
Algumas parecem flocos de algodão.
Brancas e fofas, 
compondo doces figuras no azul do céu.

Outras escuras e pesadas, 
poluem tristemente a paisagem ante minha visão.
Deixam cair de si uma umidade pegajosa e irrespirável,
deixando um amargor no céu da boca.

Pesam como uma sombra nefasta em minha cabeça.
Grudam sua fuligem em meu corpo.
Produzem lúgubres sentimentos que queimam meu coração.
Fica ali uma marca a ferro que não sai mais, não.

Então a chuva cai.
Limpa o céu, o solo, a visão e a carne.
Só não limpa minha mente,
maculada por sua escuridão.

(20/03/2008)


O que estarás fazendo neste exato momento?
Mesmo à distância sinto teu silêncio dolorido.
Se estendo as mãos tateio tua pele fria.
Pressinto tua respiração descompassada,
a cabeça em redemoinho contínuo, 
desesperada situação.

O que estarás sentindo nesse momento,
enquanto estou aqui procurando descobrir
algo que apenas imagino?

O que te terá acontecido para, de repente, 
te perderes assim?
Se eu segurar tuas mãos, tu me dirás?
Irás permitir que eu te console?

Por favor, não sofras assim, não!
Diga-me, diga-me baixinho.
Não deixarei ninguém ouvir teus segredos, não.
Eles aqui no peito ficarão guardados.

Por favor, não te atormentes assim,
pois hei de te segurar entre minhas mãos,
afagar teus cabelos,
proteger teu cansado coração.

(16/07/2008)


Sol

São dois lagos tranquilos
Ostentando tão claros sentidos.
Lindos gestos contidos, que revelam
Intensamente seu coração destemido.
Ainda no raiar do dia,
No entanto, maturando está.
Espera, anseia de forma premente,
Seu interior tão rico mostrar.
Outra reação, contudo, recuar a faz:
Uma mistura de pudor e modéstia,
Zelosa de se impor,
Acaba a flor por botão em transformar.

(1º/09/2008)


Surreal

Cada vez que folheio antigas páginas
Fico a imaginar: como tais coisas podiam assim ser?
Que seres tão estranhos eram aqueles, 
pintados com tantos matizes,
descritos de tão diferentes formas?
Teriam sido fruto de uma idéia obsessiva?
Teriam sido criações de sonhos enlouquecidos?

Tudo é tão surreal, como o relógio 
que desliza sobre a mesa.
Ou a face que emite um grito inaudível...
Seriam tais personagens oriundas de um mundo metafísico,
criações de um mundo fantástico, 
como num País das Maravilhas?

E no final tudo é tão mais simples!
Todos os seres são mais humanos do que ousei acreditar!
Por que sempre se há de transmudar as visões que presenciamos,
porque sempre criam-se ciclopes quando 
o mais fácil seria enxergar o óbvio?

Talvez isto seja ser humano.
Imaginação fértil.
Coração em expectativa.
Dúvidas constantes, 
Com respostas obtidas apenas 
ao final de cada página vivida.

(07/09/2008) 


MP3

Fios entrelaçados.
Vibrante volume obstando sons insuportáveis.
Protetores auriculares: 
defendem de um mundo degradado.
Musicalidade contagiante que inviável 
torna qualquer contato exterior.

Esquece-se como falar.
As palavras são dispensáveis.
Os fios conectam e afastam a todos.
As buzinas dos carros, 
o barulho de passos na calçada,
as conversas abafadas, 
os chamados dos vendedores...
Tudo, tudo é evitado.

O fone duramente fixado nos ouvidos
não permite o relacionamento.
Todos são iguais, todos possuem fones.
Corajoso (ou insensível?) é quem ainda ousa 
ouvir o marulhar do mundo ao redor.
(16/09/2008)


Miscelânea

Aqui jaz uma miscelânea de recordação.
Não queiras os segredos desvendar
Que aqui ocultos estão.
Não são apenas para o olhar,
Mas para despertar, de uns poucos, a emoção
Ou um triste coração acalentar.

(22/08/2008)



Impossível é lutar contra o vento.
E as folhas.
Aquele vai por onde bem entende,
arrasta consigo terra, árvores,
casas, esperanças, sonhos.
Estas, isentas de vontade própria,
se deixam levar pelo primeiro,
reféns de sua força e poder.
Chorosas por perderem sua fonte de vida,
acabam por se acomodarem em terreno alheio,
obstruírem bueiros,
impedirem que o lixo e a podridão escoem.
Tornam-se a origem dos problemas, 
quando são apenas mais uma vítima.

O vento, no entanto, continua sua rota.
Despreocupado com os que abate pelo caminho,
com o entulho gerado pelo seu ímpeto,
inconsciente das dores que inflige.
Não houve os gritos de folhas, árvores, sonhos,
que vai destruindo em sua tresloucada passagem.
Pouco importa quem é atingido,
os objetos destruídos, as vidas ceifadas, 
as esperanças derrocadas a rolarem, 
como as folhas, pelo chão.

(24/09/2008)


Sem Fronteiras

Abra os braços.
Não existem mais fronteiras.
As páginas rasgadas já foram 
espalhadas pelo vento,
ou queimadas pelas chamas.

Abra o peito.
Já não existem mais amarras.
Não há tempo para arrependimentos.
O medo ficou na bifurcação da estrada.

Contemple o horizonte.
Não há mais fronteiras!
O caminho é longo.
Não perca tempo.

Abra o coração.
Sinta a doce vibração.
Ouça a cadência do seu som.
Siga em frente.
Sonhos não são apenas ilusão.

Estenda as mãos.
Não há mais muros de contenção.
A liberdade é um dom.

Não tenhas receio.
 O teu mundo é tão vasto!
As fronteiras ruíram!
Somente resta dar o primeiro passo.

(15/10/2008)


Então, assim é se acaba a emoção?
Soa no peito um eco surdo.
Repercute na alma o clamor do vazio.
Só restam questionamentos:
Como manter o sim pronunciado?
Como pensar a ferida que teima em sangrar?
Como evitar frases insidiosas?
Como não romper o frágil cordão que
une duas vontades agora distintas?

Por um breve momento há, ainda, 
um resquício de carinho.
Por um segundo se usam palavras doces.
Resta um entendimento tênue...

Como dói observar um olhar vazio.
Uma decepção que aflora num rosto resignado.
Como se sofre vendo se esvaírem as 
últimas esperanças de alguém que sonhou um dia.

Os olhos estão secos, a face tranquila,
enquanto o coração, sangrando, grita a angústia
da solidão implacável e do conformismo forjado.

E eu choro... por ver os restos de sonhos
 estilhaçados, jazendo ao chão, 
pois não cabe a mim tentar remediar o que,
por hora, parece irremediável.

(04/11/2008)


Polos

Beber quer, nesta sublevação, do silêncio.
Insensata obstinação:
pólos postos e opostos
originam contrárias propensões.
Limites invariáveis, ultrapassados diariamente,
arrancam gemidos candentes e risos tiranizados.
Ressonância prolixa, pontuada por cores baças,
impondo mutáveis contrapontos e desarmonias.
Dissonante, misteriosa paisagem: 
arde, ao fundo, um céu de chumbo,
diante está uma estrada tranquila,
entremeada por consternação e alegria.
(30/11/2008)


E a gata sonhava...

Em meio a seu mundo de papel,
Hope ronrona, dorme e sonha.
Queria ser gata ao léu:
Passar a noite na farra,
Brigas, unhadas, um escarcéu!
Sobre muros vagamunda,
Pelos molhados por gotas que caem do céu...

De repente, seu ser estremeceu.
 Abriu um olho, esticou uma pata:
O corpo fofo agilmente ergueu.
Relembra a última chuva tomada,
Da noite o frio que sentiu.
O miado de medo e espera:
“Onde vocês estavam? Quem na rua me esqueceu?”
Viu o pote de comida, a cama quentinha, 
seus donos maluquinhos reconheceu.

Gata vagamunda, que nada!
Do sonho de aventuras esqueceu.
Prefere ser gata doméstica,
com cama, comida e mundo de papel,
do que ser uma livre vira-lata,
na noite chuvosa, escura como breu.

(06/02/2009)


Caixa

Um dia uma certa caixa abrirão.
Que imagem farão de mim?
Boa ou má?
Aflorarão recordações leves,
cartas amareladas,
algumas ainda lacradas,
confissões secretas,
tímidas alegrias,
tristezas completas...
Um dia esta caixa abrirão.
Que imagem surgirá?
Talvez... talvez 
um ser diferente do que aqui está.

(22/03 – 09/04/2009)


Disse-me o médico que tenho um sopro...
Um sopro no coração.
Será por isso que, no mais das vezes,
me falta o senso e sobra emoção?

Quem sabe se aqueles que desta condição sofrem
não precisam de maior ventilação,
Para suportar os suspiros
que escapam sem contenção.

Quem sabe se esse não é
o mal meu tão necessário
para sobreviver aos estilhaços
que me caem do coração.

(28/10/2009)


Sombra

A sombra que vela a luz,
Que das janelas provém, 
Será sombra ou será quimera?

Há tantas nuances, da tua casa, 
Nos cômodos silenciosos...
Quisera nestes espaços penetrar...
As cores, variadas, com tal primor
Poder captar...
Seria esta uma bela tela!
Se eu a pudesse retratar.

No entanto, à artista, com doce admiração,
Só resta o aveludado matiz observar.


Embarcação

Essa viagem tormentosa
em mares tranqüilos ou encapelados,
de ruídos estrondosos,
ou terrificantes silêncios,
como prosseguir sem destroçar-se?

Tantas luzes ofuscantes
do relampejar trovejante...
Quantas nuvens pesadas
correndo pelo céu aveludado,
ocultando o calmo brilho estelar...

Esta embarcação, que pelas vagas
sobe e desce, num instante
tão docemente, no outro
como ao meio se fosse romper...
Este navio que arrosta o
tempestuoso vento alísio,
ou calidamente se embala
na brisa peninsular...

Como irá suportar as plácidas manhãs
ou as obscuras e frias ventanias
das longas noites sem luar?

(25/11/2009)



Compensação 

Nunca quis, gentil dama,
a um livro teu dano causar.
Antes, desejara que não o houvesse
tomado em mãos do que a um bem,
tão precioso e almejado, 
numa poça acabasse por jogar.

Por isso, com outro te presenteio,
repleto de alvas páginas,
de igual lavra e teor,
que ao enlameado substitui,
reparando a dolosa perda anterior.

(27-28/11/2009)


Livraria

Como pode ser que assim, num repente,
se percebe o vazio vibrante,
a ausência presente?

A livraria cheia e vazia,
a cafeteria...
aromas misturados, 
paladares refinados,
leitores e degustadores que vêm e que vão.

E aquele vulto ao lado
Só...
Silente...
Ouvinte...

Tomos que lançam palavras ao ar,
sem nenhum som produzir.
Seres que pensam falar,
que pensam ouvir,
que pensam ver...

E o vulto nosso conhecido,
Que vê sem ser visto,
Que ouve sem ser ouvido,
Que fala sem nada revelar...
Sentado ali, 
Esquecido por todos e de si, 
não sabe
Se lê
Se ouve
Se vê 
Se finge.

Se quer ir ou ficar...

Já não gosta do chá,
Despreza o livro que lê
Desgosta de tudo,
De todos,
De si.

Mas num silêncio revoltado,
Com os sentidos repletos de sons,
Cheiros, palavras, retratos,
Permanece na livraria
Fugindo do mundo e seu contato.

(sem data)


Hoje ouvi uma história.
Poderá bem ser lorota ou verdade.
Ouvi uma história dessas que rasgam a alma,
o coração, a carne e sangram
até fazer poça no chão.

Quem não a ouvir no todo
poderá achar que é ilusão,
que calúnia e crime seu autor perpetrou.
Que deve sofrer as penas da lei 
se não provar sua versão.

Hoje ouvi uma história tão triste!
Poderá ser verdade ou mentira.
Questionarão os juízes do mundo:
Seu narrador será vítima ou vilão?

Mas dessa triste história duras 
e amargas lições surgirão.
Não importará quem a julgue,
Pois suas marcas jamais se desvanecerão.

(01/2010 e 25/02/2010)



Monstros

Já não há monstros suficientes no mundo?
No entanto, criam-se novos a cada dia.

O enfermo mimado
O normal violado
O desvalido embrutecido
O provido viciado
Os parasitas corrompidos
Os ingênuos ludibriados.

Tantos e todos endoidecidos
Por suas vaidades feridas
Suas ânsias descabidas
Seus medos diminuídos
Seus dons irreconhecidos
Seus criadores entorpecidos
Seus sonhos destruídos.

Já não há tantos monstros no mundo?
Mas eles continuam a pulular
Qual praga ignota que 
Não se pode enfrentar.

(POA, 10/02/2010)



Porto dos que chegam
Porto dos que partem.
Porto por vezes triste
Porto, em outras, alegre.

Nunca mais – afirmo com o dedo em riste –
Chegarei ou partirei, do cais teu,
Tão alegre ou tão triste!

Restará, eu sei, da minha chegada ou partida
Uma agridoce melancolia:
Por aquilo que eu não trouxe
Por aquilo que eu levei
Por aquilo que perdi
Por aquilo que recuperei
Por aquilo que não ouvi, vi ou senti.

Ah! Porto alegre e triste!
Se chego ou parto, de ti levo um pedaço.
Acaso ficará no asfalto ou no concreto
De tuas ruas e prédios, ao menos,
De mim, uma marca indelével?

(14-25/02/2010, POA, Rio Grande)



Quem tem medo do Escuro?

Eu não tenho medo do escuro,
ou do que, porventura, 
ele tenha a obscurecer.

Tenho medo é da claridade
e das suas sombras.
Das suas miragens,
dos seus lusco-fuscos,
que monstros podem esconder.

Não! Eu não tenho medo do escuro,
do silêncio noturno,
da sua melancolia.
Das suas incertas esquinas,
das ruas desertas ou 
de transeuntes suspeitos.

Eu tenho medo é do dia,
do sol a pino castigando a cabeça,
das turvas imagens que vão surgindo.
Dos estranhos seres que passam,
risonhos ou tímidos,
com suas faces reluzentes,
mas um lado sombrio encobrindo.

(04/03/2010, POA)



Soneto do Contrário

Um amor longamente inspirado,
É por vezes amarga quinina,
Outras, docemente aveludado.

Um amor assim incentivado,
Quando, por fim, vira rotina,
Minhas faculdades desatina,
Torna-se quase amaldiçoado.

Mas fugir como a tal estado?
Em sendo ele veneno ou adrenalina,
Em sendo doce ou maldito,
Vence, por direito, a alucinação bem vinda.

(10/03/2010)


O copo esvaziou-se.
A última gota nele foi vertida.
Esvaiu-se não apenas o excesso,
mas dele fugiu todo o conteúdo.
Lentamente...
Lentamente...
Sem que se soubesse como ou por onde.

Restou a sensação de que
 nada o completaria novamente.
Restou a exaustão de algo que
perdeu toda sua fonte de vida.
Restou uma poça no chão,
que teima em não se dissipar.

O solo nega-se a aspirar sua cor vermelha.
Invés regurgita e devolve a mesma,
como se ela veneno fosse,
saturado de tanta lágrima e dor.

(29/03/2010)


Extremus

Eu corro contra o tempo,
Mas minhas pernas, dolorosamente lentas,
Não o conseguem acompanhar.

Eu corro contra o tempo.
Mas meu corpo pequeno
Não consegue te alcançar.

Eu te vejo cada vez mais longe,
Mãos e braços estendidos.
A face triste a implorar:
“Salva-me, salva-me”,
Brada o teu suspiro silente,
E teus olhos já enegrecidos
Pelo mais longo penar.

“Não vês, não vês!
Eu já não te posso salvar!”
Embalde o terrível aviso tento te dar.
Faço uma súplica silenciosa...
Esforço-me mais ainda...
Lágrimas chegam a rolar.

No entanto, somente tu, 
nesta hora extrema,
Pode a ti mesma resgatar.

(31/03/2010)



Há um túmulo que a ordem pública
reclama seja aberto, 
para o cadáver que ali jaz 
uma exumação possa sofrer.
Alegam: ‘naquele corpo sem vida
um flagelo perigoso está a se ocultar’.
Que, se de súbito, um incauto o tocar
de severa praga irá se contaminar.
O exame, no entanto, de nada adiantará.
Olvidam-se os temerosos que males há
que até médicos não podem aplacar.
Portanto, que clame o populacho... 
que especulem facultativos e filósofos,
mas que o morto, ou sua praga,
no túmulo lacrado, deixem descansar.

(14/05/2010)



Versinho


                    (para Luciane Trauttmann) 

Gentil dama: esta vez prenda
alguma te poderei ofertar.
Levarei comigo a tristeza
de mãos vazias te deixar.
Mas, ao menos, te darei a certeza
de que em meu pleno afeto
podes continuamente confiar.

(26/05/2010)


Ode a um Guerreiro

Quem dera, qual guerreiro incansável,
Pudesse eu a todos vós defender.
Com espada, escudo e armadura 
Aos golpes infligidos desviar e rebater.

“Um corpo assim combalido”, 
diz o bardo, oh! triste trova, 
ao anoitecer, na taverna,
“não pode nem a si mesmo soerguer
quanto mais esta justa vencer”.

Minha mente, o vinho entorpece.
Em meio a sonhos tortos,
sobre a mesa áspera e dura, 
minha cabeça pende.
Partido em dois, a um canto, meu elmo, 





Um comentário:

Ariadne disse...
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