SÉRIE CONTRACTURAS - FINALIZADA


Decidi finalizar esta série de poemas. Nem todos que escrevi debaixo deste nome, Contracturas, foram aqui publicados, mas estes foram os que selecionei para encerrar no blog esta página que ficará aqui para quem desejar visitá-la.

EXPOSIÇÃO

E a criatura estranha
sentiu que iria cair.
Entre tantas figuras
não sabia definir
qual a mais certeira
para na parede expor.

Eram tantas arestas
tantas curvas
tantas cores
que o ser sentia-se derreter.

Via-se adentrando naquelas telas
tocando suas pinceladas
colagens
texturas
e outras tramas
mas não ousava
não podia
não queria
uma somente escolher.

E a parede seguia nua
alva
e pura,
esperando o quadro
que a fosse enfeitar.

Mas a criatura indecisa
queria a todas
e a todas repudiava...
A todas excomungava,
a todas implorava:
“Fiquem aqui!”

E a parede ali a espera.

Contudo, o egoísmo patético
da insólita criatura
não permitiria que ela
uma única figura escolhesse
para adornar
o vazio de suas quimeras.

(18/11/2011)



ZUMBI

As dores...
As dores perfuram o cérebro
como projeteis disparados,
mas perdidos.

“Não entre em meu crânio-reino!
A guerra instalou-se lá
e nenhum lobo quer abdicar”.

E ainda luta
o corpo-dono moribundo
para não deixar escoar,
pelos buracos,
gota a gota,
os resquícios de sua labuta
pela sobrevivência.

“Estou morto: mas sobrevivi.
Sou sobrevivente: por isso morri”.

E o corpo desapossado,
desgastado,
acabrunhado,
contudo irrefreável,
grita silenciosamente:
“Mesmo partido, não fugirei”.

(26/11/2011)



POESIA SEM FINAL

E já não tinha a esperança mínima
de voltar a ser que o fora.
Restou o silêncio a circundar
o ambiente denso
enquanto um breve sorriso
             (virtual?)
teimava em flutuar em sua face.

Da pouca psicologia que conhecia
e tentava implantar na sua vida
ainda revoavam frases soltas
a sua volta, que diziam:
“Vai em frente.
ainda há pelo que lutar,
no que acreditar,
pelo que viver”.
Psicologia comum
Psicologia superficial
Psicologia um tanto banal
que ela lia apenas
para minorar aquilo que a atingia
que a feria e fazia sangrar.
“Vou em frente...
mas vou chorando
reclamando
empurrando com meu corpo torto
o que não posso carregar”.

Otimismo antes não lhe faltava.
Agora, entretanto, o que sentia?
Nada de nada
Misto de vazio e cor:
Queria levantar e prosseguir...
o corpo queria ficar e desistir.
Queria o colorido da paisagem...
a mente implorava pelo gris
da tormentosa luta encefálica.

E o coração?
Este nem sequer pulsava.
Saudade
Alegria
Expectativa
Frustração
Decepção
Uma poção incolor
para esboçar
o tumultuoso maremoto
de sua existência ambígua.

E eu não sei como terminar essa poesia.
Ela não é minha.
É de outro ser.
E ele não me disse
que estrada escolheria
que decisão tomaria
ou como sua vida acabaria.

(08/12/2011)



ESTRANHA BIOGRAFIA

Escrever, para mim, é:
criar um mundo hermético ou aberto,
cheio de ressonância prolixa,
repleto de multicoloridas
e cinzentas paisagens impressionistas.
Viver num paraíso dantesco,
exprimindo em versos
o que só entrevejo.
Reviver memórias
tantas vezes deletadas para,
com imagens reeditadas,
apor sombras criadas.

Ah! Escrever...
escrever é:
rir da loucura ou por ela chorar.
Acabar falando sem nada dizer.
Então, grito: Silêncio!
Malsã tempestade rugiu lá fora!
Irei obscura ou transparente ser?
Não sei.
Minha poesia sempre vacila
neste “to be or not to be”.

Então, me resta apenas
a inspiração para tentar descrever
as inquietas sensações que
me atordoam desde o momento
em que me descobri
ser inverso
ser escrevente
ser vivente
ser gente.

(13/12/2011)



FUGAZ

Ah! Eu quero fugir da rotina...
Quero me perder nas verdes colinas
que vejo através da minha tela...
Galgar essa escadaria de pedras
Resvalar a mão
   de
   va
   gar
nessa relva tão bela.

(11/12/2011)



EXPOSIÇÃO

E a criatura estranha
sentiu que iria cair.
Entre tantas figuras
não sabia definir
qual a mais certeira
para na parede expor.

Eram tantas arestas
tantas curvas
tantas cores
que o ser sentia-se derreter.

Via-se adentrando naquelas telas
tocando suas pinceladas
colagens
texturas
e outras tramas
mas não ousava
não podia
não queria
uma somente escolher.

E a parede seguia nua
alva
e pura,
esperando o quadro
que a fosse enfeitar.

Mas a criatura indecisa
queria a todas
e a todas repudiava...
A todas excomungava,
a todas implorava:
“Fiquem aqui!”

E a parede ali a espera.

Contudo, o egoísmo patético
da insólita criatura
não permitiria que ela
uma única figura escolhesse
para adornar
o vazio de suas quimeras.

(18/11/2011)



PARTITURA

Eu te entrego novamente
minha mão
meu corpo
minha vida

Eu te deixo cuidar
desta casa tua e talvez minha
do meu orçamento
de meus braços e pernas
débeis e fragilizados
de meu ser cabisbaixo
desta que ora sou.

Eu te permito
opinar sobre o que escrevo
sobre o que penso
Permito que me tomes
em teu colo e me afagues.

Mas do fantasma
que ronda minha cabeça
e do coração partido
pelos descaminhos
da minha biografia
destes não te permito 
que te tornes conhecedor.

(19/10/2011)


IN MEMORIAM

O bilhete virou carta
Enquanto mais um nome
Era sepultado
Junto com as novas idéias
Que eu tinha para compor
Bons textos literários.

Elas se perderam,
Se perderam todas
Quando tropecei no túmulo,
Com grama e flores ressacas
Pelo calor sufocante,
E que eu já deveria ter esquecido.

Ah! Eu caí...
Eu caí no negro fosso
Eu ralei meus joelhos
E no local um hematoma surgiu
“Não vai desaparecer” – pensei.
E a dor se espalhou
Como se mil abelhas
Me ferroassem o corpo, a mente.

Eu não lembrei
(ou me distrai?)
Que não se deve tropeçar
Em túmulos semi esquecidos
Remexer em esqueletos
Nem tentar escrever
Quando se perambula pela cidade...
Não se deve escutar os noticiários...

Eu esqueci...
Eu esqueci de esquecer
Que se é para esquecer
Não se deve
Nunca
Em nenhum momento
Tropeçar em túmulos
Remexer o esqueleto espúrio
Os andrajos
Supor que ele ainda sinta algo
E não carregue mais a praga
Que acabará por te matar.

(11/11/2011)



Não...
Não provoca meu lado apaixonado.
Tu não sabes o quanto ele 
é intenso e indomável...

Logo ele precisará de um laço
para atar 
pernas
braços
tronco
cabeça 
e subjugar 
pensamentos insensatos...

Não, não provoca
esse meu agridoce sentimento...

Logo ele parecerá um rufião
que desejará se afogar 
numa taça rubra de vinho,
levar-te com ele
por vielas
casas antigas
e emoções parcamente
subjugadas.

(29/01/2012)


INOMINÁVEL

Eis que da estranha mente
surge um inominável
Diário negro...

Ali justapostos estão
não os segredos desajustados
de um louco
maníaco
desgraçado
vadio
ou vilão.

Mas os últimos e etéreos
sonhos
utopias
esperanças
mistérios
sorrisos
de uma criança em inanição.

(04/01/2012)

DALI

Dali ninguém some
Dali ninguém quer ver

Dali muitos tombam
Dali muitos querem ter

Dali pouco se ouve
Dali muitos dizem perceber

Dali ninguém entende
Dali poucos querem saber

Mas o fato
Obvio
Marcante
Certeiro
Intrigante

É que Dali
Muito soube
Dali muito tentou dizer...

(04/01/2012)




PEQUENAS QUESTÕES

Transcender...
A menos que se quebre a barreira do visível
e se toque o cerne do universo
não é possível ver?


Transgredir...
A menos que se fira a carne
e se rompa o limite tacanho do espaço
não é possível a liberdade apreender?


Sobreviver...
Até que se suporte todos os males
e se conheça todas as misérias
não é admissível a vida viver?


Endurecer...
Até que se sinta todas as fomes
e se crie uma pele-armadura
não é permitido sensibilidade obter?


Enlouquecer...
A menos que se exceda a fronteira da sensatez
e se rasteje como um verme
e se rasguem todas as vestes
é irreal lucido se fazer crer?


Encenar...
A menos que se aceite as máscaras
E que se vistam fantasias brilhantes
não é possível tornar-se um ser?


(22/12/2012)



IMUNDICIE

Me dê dois dedos de prosa, seu moço.



talvez o senhor acabe olhando
esse corpo sujo e mulambento
mas entenda que ainda sou gente”.

Mataram um cachorrinho indefeso
maltratado
torturado
sacrificado...
Tomara que condenem o monstro.

“Ei moço, eu só preciso de uma palavra:
um bom dia,
quem sabe um pedaço de pão.
Mas é so isso seu moço:
dois dedos de prosa
pra saber que ainda sou
um pouco mais que um nada”.

Ninguém ouviu os latidos?
Ninguém viu que a criatura sofria
e que sua dona era uma sádica
enrustida num uniforme branco
de quem cuida de outro alguém?
Pobre bicho.
Alguém tem que meter ela na prisão...
Lutar para fazer justiça pelo morto cão.

“O, moço, fala algo ai...
Posso até ser morador de rua
mas só preciso...”

Que nojo!
Solta minha camisa.
Tua imundicie vai sujar
minha roupa
minha vida
poluir meu ar.
Sai de perto, vagabundo.
Eu tenho mais o que fazer:
preciso salvar o mundo.
Não tens o direito
nem permissão
nem humanidade suficiente
para me interromper.

(17/11/2011)


DEGREDO
  



Uma passagem, por favor.
Uma passagem que me leve
aos confins desse mundo,
que me transporte ao sítio
mais longínquo que exista
e me degrede dessa dor.
 

Uma viagem só de ida.
Talvez de volta...
Uma excursão de aventuras,
de idílios,
de descobertas,
de reencontros.
Quem sabe, de amor...

Uma turnê que me tire tudo
e me devolva a mim.
 

Uma viagem em que eu descubra,
outra vez,
a flor que brota,
o céu ensolarado ou nublado,
as estrelas que perdi,
os sorrisos que escondi
e o amor teu
que tanto me faz bem.
    

(18/11/2011)









CANÇÃO DE NINAR 

Dorme, dorme, pequenina.
A noite avança, é mister descansar.

Dorme, dorme, doce menina.
Teus olhos estão a fechar.

Dorme, dorme, pequenina.
Na noite é mais fácil sonhar.

Não te ressintas do sono,
pois nele todos podem se encontrar.









SENDEROS
 
Traço caminhos
Na lisa argila.
Invento curvas, formas, desvios...
Deslizo as mãos para aplainar.
 

De repente
Introduzo os dedos
Crio cavernas e poços
Para a nova forma variar.


Visualizo um rio aqui,
Um riacho acolá,
A água suavemente
A escorrer por minhas mãos.


E sinto o perfume
De flores a exalar seu pólen
No ar rarefeito
Da planície que vai surgindo.


E a maciez da grama
Que recobre a terra
Se faz de leito onde posso
Deitar para descansar
Depois de tanto prazer abarcar.
 

Eu refaço os caminhos
Escuros ou claros
Silenciosos ou murmurantes
Calmos ou inquietantes...


Eu manipulo a argila
E crio trilhas somente
Para sonhar.


(13/11/2011)


VERSOS TECNOLÓGICOS

Tu estás te escondendo, não é?
Através da tela fria do computador
da janela do msn
das letras que juntas
para ler
para escrever
atrás do silêncio...

Mas eu penetro até ai!
Eu venço qualquer obstáculo
Eu invado teu pensamento
Roubo teus sonhos
teu sono
te dou uma noite de insônia
para mais te atormentar.

Estás fugindo, pois sim.
do esquecimento
da lembrança
do órgão quebrado
aleijado
irrecuperável.

Mas eu permaneço aqui
Eu quebro
tua paz
tua tristeza
tua alegria
teu lamento
tua cura
tua dor
e o que mais for preciso
para dominar tua vida.

Eu não dou descanso
Eu não concedo clemência
Eu não prezo acordos
Eu desprezo tuas conveniências.

Eu sou o espelho teu revelador.

(19/10/211)









BIENAL II – ENCONTRO[1]


E em meio a tantos desencontros,
À palavras mudas
Ou gravuras surdas
Que rodeiam e zunem pelo ambiente,
Três seres se encontraram.


No colorido da desesperança
De um abraço que absorvia dois deles
Havia tanta melancolia
Tanta expectativa
Tanto desamparo


Tanta súplica
Que o terceiro sorriu
E quis doar seus braços ao par.


Mas na cidade cheia-vazia
Não é permitido aos dedos frios
Um toque sequer trocar.
E a luz que tudo cobria
Não levava consigo
As sombras que por ali
Insistiam em tudo empoeirar.


Os três seres se encontraram...
Mas a cidade fria
Não concederia a eles
O mínimo acalanto.


E o ser terceiro partiu
Eis que o tempo lhe chamava.
Teve que, em secas lágrimas,
O par deixar sozinho com seu desamparo,
Debaixo da luz gélida.


Em meio a palavras mudas
à gravuras surdas
Um terceto se desencontrou.
E Separaram-se,
Cada um carregando
Sua dor, sua solidão.
Este foi o final.
(05/11/2011)
       

[1] Poema inspirado em Xilografia de Francisco Stockinger, parte integrante da coleção das obras do escultor mencionado pertencente ao acervo do MARGS, cuja exposição ocorreu de 19 de agosto a 09 de outubro de 2011. Visitei a mesma durante a Bienal de Porto Alegre e, embora não relacionada a este evento, tal coleção despertou-me o interesse, devendo, assim, figurar como uma das cenas que compõe os poemas e textos que escrevi em decorrência do que observei nessa ocasião.







TUA MÚSICA

Mesmo que naufragues
os versos belos ou feios
que quiseras escrever

Mesmo que não fales de amor
e busques um novo mundo
seja ele de vulcões e ardores
seja ele de neves e tempos glaciais

Ainda assim tua música
ecoa nos ouvidos surdos
daqueles outros seres
que não conseguem alcançar
as notas altas da tua dor.
(3010/2011)



CREMAÇÃO

Qual a temperatura ideal
 
para que um coração arda?
A quantos graus ele será
totalmente
irremediavelmente
aniquilado, cremado, carbonizado
transformando-se apenas em fuligem?

Este coração
        que bate
        que transpira
        que sussurra
        que esfria
        que grita
ora deve ser espezinhado.

Que intensidade de combustão
tornará um órgão irreparável?
Ele terá que queimar...
Ele terá que sofrer agruras...

Por fim, nada restará
além do silêncio do vento
a espalhar as cinzas...

(08/11/2011)

*Inspirado em “Fahrenheit 451”, de Ray Bradbury, e “A Mecânica do Coração”, de Mathias Malzieu.

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