quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015

COMEDORA DE PALAVRAS

Estou guardando todas as palavras
Elas não fazem mais sentido
Eu as guardo em caixas com e sem decoração
porque existem as alegres e as tristes
Para cada uma delas uma tumba apropriada
mas que também não expressa o quanto lamento
por já não dizê-las mais.

Eu perdi a faculdade de falar
- outra vez -
como a menina que vê formigas
no chão da casa em que vive
e diz a sua mãe:
-Mãe, as formigas estão confabulando
no piso da cozinha! - com um espanto
que é infantil e maduro porque ela bem sabe
o que as formigas estão tramando
mesmo que não diga

E a mãe apenas responde:
-Elas estão apenas comendo as migalhas 
de pão que derrubaste no chão, minha filha.
Perguntando logo em seguida:
-Tu já lavaste tuas antenas hoje, menininha?

E a menininha com suas antenas limpas
resolve ficar calada porque sua mãe
não entenderá que ela sempre esteve
- na verdade, sempre estará -
com suas antenas prontas, embora silenciosas

Por isso, não existe sentido no que digo ou escrevo
Eu sei apenas que sinto mas prefiro nada explicar
porque não se diz o que outros não querem ouvir
não se explica o que outros não entendem
não se empresta senso ao inusitado
não se fala de sentimentos quando tudo a tua volta silencia

Quando as palavras saem assim desentendidas
é preferível guardá-las em caixas
com ou sem decoração
para que ninguém roube de ti o sentido
que somente tu consegue dar a elas.

2 comentários:

Gilson Corrêa disse...

Acho que a menininha corresponde à metáfora da busca de compreensão, que parece dispersa, espraiada em terreno desértico e arenoso, a ponto de não conseguir se expressar, porque o outro só identifica um aspecto do ponto de vista. Por outro lado, a mãe representa essa desentendimento da realidade interna e emocional, mas não ao ponto de seguir apenas o senso comum, pois ainda pergunta "se ela lavou as antenas, hoje?". É de um lirismo envolvente e encantador, que nos propicia um sentimento muito próximo da poeta. Adorei, espero não ter delirado nestes pensamentos. Havia feito outro comentário, mas desapareceu ou não soube salvar. Grande abraço, Adriane. Estou sempre por aqui, lendo os teus textos e de vez enquanto, comentar, ok? Beijão.

Unknown disse...

Não Gilson, nenhum delírio em teu comentário.
Apreciei muitíssimo tua interpretação deste poema que, realmente, fala sobre a forma de interpretar os acontecimentos, mesmo quando não se consegue externar o que se entende deles.
Muito contente com tua presença aqui.
Volta sempre que desejares.
Abraço.
Adriane