sexta-feira, 26 de dezembro de 2014

RETROSPECTIVA

Eu não queria estar assim, tão inquieta, sentindo a ausência tão cheia desta presença estranha. É como olhar no espelho e ver não somente minha imagem, mas outra que está às minhas costas, observando meu rosto, mas sem deixar que eu veja o seu, embora eu saiba muito bem quem seja.

 Eu certamente não desejava sentir esse descompasso entre o que é realidade e sonho, porque é um fato reconhecido profundamente pelo meu cérebro, e por aqueles que de mim sabem um pouco, que eu, de sonhos, embora os tenha, quase não vivo, pois me satisfaço mais plenamente com o realismo cotidiano. 

Então, vou prendendo entre os dedos, como as pequenas ‘bruxinhas’ que entram em minha casa, e capturo com cuidado, jogando-as, logo em seguida, pela porta como se com elas eu não me importasse, cada um desses devaneios, impedindo que eles saltem de minhas mãos, confinando-os em pequenos cofres, para que eles não tomem de assalto meu mundo tranquilo.

Meu mundo tranquilo – mas, na verdade, tão irrequieto - é que anda estranho, comprometido em acabar com minha seriedade cômica, com meus trejeitos de causídica enfática, mas serena. Ele não se aguentava mais na mesma postura de confiança e conhecimento intelectual praticamente imutáveis. Então, começou a tremer num terremoto inextinguível até que rachou o solo e fez romper essas ânsias por uma descontração de sorrisos marotos e verdades meio inconsequentes.

E eu, em meio a uma timidez perpétua, que, dizem, não aparento ou não confesso, me vejo refém dessa meia loucura, dessa inquietação, que eu sei onde se origina, embora eu quase consiga ocultá-la. Estranha sensação de ‘deja vú’, apesar de ser totalmente diversa das demais, porque desta vez, desta única vez, talvez eu não me amofine se alguém descobrir segredos que são tão óbvios.

Mas me contradigo. Eu não tenho segredos, apenas meias verdades e meias invenções, que não são mentiras, somente um meio de não agastar a mim ou aqueles que convivem comigo. 

Como pode ser possível esse meio termo entre o que é real e o que é omissão? Como pode ser tolerável essa brincadeira com as palavras dizendo o que não se quer e escrevendo o que se deseja? 

Escrever não é uma atividade para todos, nem todos compreendem o que leem, não por falta de intelecto; talvez por falta de criatividade ou imaginação. Brincar com letras é quase um ato terrorista, serve tanto para informar quanto para manipular os leitores, semelhante a retrospectiva corriqueira do ano quando este termina. 

Por que é de conhecimento geral que, quando se faz a releitura dos fatos, na verdade, eles já não possuem mais o mesmo significado, a retrospectiva induz a uma nova interpretação (ou seria desinterpretação?) daquilo que se revive, num circulo impossível de ser rompido. 

Nenhum ser humano entende e sente da mesma forma o que revê, já diziam os neurocientistas.

Por isso, naturalmente, estou revivendo a mesma sensação, a mesma inquietação de algumas semanas atrás, desta vez, no entanto, com uma intensidade que antes não senti. Eu reinterpretei tudo o que vivi e conclui que nada era tão importante quanto imaginei, ou se era eu preferi acreditar que não.

Mesmo assim, reinvento a intensidade de tudo, somente para provar que ainda vivo para além da volta de 360° que me disseram que eu não iria suportar. E sinto essa presença ausente de forma tão terrível que é como se ela continuasse a me olhar através espelho em que vejo seu reflexo, embora, temporariamente, ela não esteja mais lá.

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