domingo, 16 de dezembro de 2012

SOBRE XADREZ E ESPIÕES


                                        * Foto obtida gratuitamente no Google Imagens



Amava esses momentos, entre o cansaço e o sono, em que ficava escutando músicas que somente tinham significado para si. Músicas em línguas estranhas, mas que, por alguma razão que não entendia muito bem, conseguia interpretá-las, adivinhar seu significado e até conseguir cantá-las com sua voz profundamente desafinada.

Nestes momentos ficava flutuando entre três ou quatro dimensões: imagens de agora, de amanhã, de ontem e de outro lugar invisitado, mas conhecido, deslizavam frente a seus olhos e compunham um quadro completo do que não era, mas tinha sido em algum momento de sua vida.

Parecia que tinha bebido. Talvez até tivesse e não se lembrasse, e acabava misturando as notas musicais e as letras das mesmas com os trechos significativamente misteriosos do novo livro que estava lendo. Já havia vários rabiscos nas páginas com suas impressões gerais sobre a obra e o que pretendia dizer dela ou escrever com base no sentimento que a narrativa estava lhe ocasionando.

A constante releitura do ato de escrever alheio e seu próprio já se havia transformado num tabuleiro de xadrez que não conseguia entender, mas teimosamente continuava mexendo nas peças sobre o mesmo. A derrota era certeira, mas o prazer do desafio lhe daria a recompensa necessária por perder a partida, porque aí compreenderia os meandros da mente do escritor, sabedoria que tentava alcançar com base nos parcos conhecimentos que tinha de sua própria pessoa, de sua escrita e do que afinal não era.

E a música, suave ou intensa, lírica ou totalmente manchada pelo rock pesado, ia adormecendo sua mente e olhos para as letras que ainda tentava decifrar. Ainda persistia em espionar a vida dos personagens tendo como base a vida real, embora o exercício devesse ser ao contrário. Ou não?

O corpo que carregava seu cérebro, além disso, resolvia, volta e meia, desenhar uns passos de dança mesmo preso a poltrona de leitura. Há quanto tempo não dançava? Mas isso não importava, como um agente secreto da própria vida e da alheia prometera intimamente que não voltaria a fazer perguntas idiotas que não mereciam ou não tinham resposta por falta de sensatez na questão.

Apenas fechou os olhos, sentiu a música e lembrou-se de memória do último dizer que anotou na obra que estava lendo. Acabou adormecendo na poltrona com a sensação de que o livro desvendou todos os segredos que nunca tinha se atrevido a revelar para si mesmo.

*Sob a influência de "Serena", de Ian McEwan e Lara Fabian, "Mademoiselle Zhivago".

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