domingo, 4 de novembro de 2012

DISTOPIA


Quase 1h da madrugada. O tempo já adormeceu. Mas eu continuo de olhos arregalados, espionando o teto. O rádio ligado. Na programação, somente músicas de outra era. Não são músicas antigas, apenas não as identifico, ou melhor, não me identifico com elas.
Meu cérebro gira a toda velocidade. Não para um segundo faz mais ou menos uma semana. Danada essa sensação de helicóptero dentro da cabeça. As ideias ficam voluteando, voluteando, feito mariposa contra a lâmpada. Querem se matar eu acho.
Está tudo quebrado, não adianta colar as fotos, nada vai mudar. Além disso, sei que já vivi todas as emoções humanas possíveis. E foi muito exaustivo. Não preciso de mais um dia para sentir porque nada mais tem. Foi adrenalina demais.
É por isso que vou cortar os pulsos. Depois vou me olhar no espelho e imaginar como teria sido se não tivesse feito isso.  Eu seria tolo em conter os sentimentos que me fazem louco. Prefiro a loucura anunciada à tolice resignada. Mas eu sei que a madrugada está apenas no começo e só o teto me olhadesconfiado por causa das feridas duplas secas que vão pingado descompassadas no chão.Ploc, ploc, ploc.
Por isso eu sempre detestei psicologia barata. “Só os covardes se suicidam”.  “A dor nos torna mais humanos”. “A esperança é a última a morrer”. Tudo estapafúrdio, confuso. Não acredito que alguém acredita nisso.
Meu sangue está escorrendo há tanto tempo e não termina. Quem disse que o corpo só possui cerca de seis litros de sangue percorrendo o sistema vascular deve ter se enganado. Olha só, já transbordou a banheira e o meu ainda não terminou.Mas isso também é uma bobagem. Terminando ou não eu ainda continuo aqui. Acho que houve a multiplicação do sangue. Já vi que não vou morrer hoje. Quem sabe morro de tédio amanhã.
Enquanto isso vou ver aquele filme. Aquele apropriado para essas ocasiões quando o sangue está sendo derramado e, no entanto, a gente consegue manter o sorriso na cara da forma mais deslavada. Aquele que diz: “Então me responde: porque eu consigo mexer nas feridas de todo mundo e ninguém consegue mexer nas minhas?”, ou coisa semelhante.
Psicologia é coisa para gente forte.
Vou assistir ao filme de novo e novamente e outra vez. Tantas quantas forem necessárias, somente para dar um colorido a mais nesse piso negro onde caminho de meias, sentindo frio, fome e sede, apesar do meu corpo estar bem fornido.
E o sorriso vai permanecer na minha cara tranquila, esticado até doer os carrilhos porque é assim. Ninguém toca a ferida que não é minha porque a separei de mim quando decidi cortar os pulsos, mas acabei não morrendo. Simplesmente a desloquei para algum lugar próximo do meu olho esquerdo, onde eu posso observar todas as consequências dela e dizer que eu e ela não nos pertencíamos, embora estivéssemos sempre juntos. Estranho isso.
O fato é que já acabei estudando todos os caráteres humanos, já destrinchei cada aspecto possível daquilo que parece ser gente, mas às vezes não é. Cada milímetro de pensamento educado, bonito, feio, pesado, censurado, reprimido, felizardo, otimista, etc., etc., e não consegui concluir nada, além disso, que,no final, tudo é papo furado.
Ser forte, ser fraco, ser feliz, ser triste e outras coisas mais. Não adianta, nada é remediável ou irremediável. E é isso que me desatina, porque alguma coisa tinha que ser ou não.
Ou não?
Esse é o problema a pessoa pensa demais e ai fica assim, sem resposta nenhuma, a não ser esta: no atual estágio não existe resposta certa ou errada. Só aquele órgão que dói, mas continua ali, apesar de estar faltando.
Eu não me conformo com isso.
Por que algo ou alguém é ou não e pronto. Ou está ou não. Ou tem ou não. Mas enfim, tudo acabou terminando nesse ponto de interrogação e ninguém, na verdade, quer a resposta.
Talvez somente eu.
Talvez somente eu seja assim, totalmente certo e errado, estando sem estar; sendo sem ser; tendo, embora esteja perdido. E, ainda assim, o teto ainda não me respondeu. Continuo olhando pra ele, mas hoje não vai ter nenhuma resposta. Por isso eu cortei os pulsos, mas eles já estão cicatrizados.
Melhor eu assistir ao filme, porque sei que vou dormir depois. Senão amanhã não vou dar nem para o trabalho.
Boa noite,
Adicius.

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