sábado, 28 de julho de 2012

O ESPELHO

A vida é assustadoramente estranha. Ela, muitas vezes, nos traz boas surpresas. Mas, em alguns casos, mais corriqueiros do que parecem, a vida bate à nossa porta e nos mostra a face horripilante daquilo que não ousamos nem imaginar.

E foi assim que surgiu, no portão da minha casa, num dia azul, onde a tranquilidade jazia em meu interior, aquilo que eu mais temia. A sombra projetou-se sobre mim e arrastou-me para o interior da residência. Petrificada ante a escuridão que ali surgiu eu não ousei olhar para o alto e ver a face do ser escabroso, com um bafo repleto de ignomínia, que me mantinha pregada ao chão. Era uma sombra e, no entanto, pesava tanto que não permitia que eu me mexesse.

E eu tremia, e eu deixei lágrimas de pavor escorrerem de meus olhos, deslizarem pelo meu rosto coberto pela escuridão densa e pelo cheiro nauseabundo que emanava daquela boca que, eu pressentia, não tinha nem fim, nem começo. Por isso, por covardia, eu preferi ficar olhando para o espelho que, tomado pelo negrume, nada conseguia refletir.

Eu senti uma língua percorrer demoradamente minha cara, como a querer saber que gosto eu tinha, se eu era ou não o petisco que mais lhe agradava. Mesmo assim, eu não gritei. Senti a saliva daquilo grudando na minha pele. Talvez nunca mais saisse dali, mesmo que eu a lavasse repetidas vezes. A escuridão arfou, fungou, grunhiu, me provou mais uma vez. Eu senti sua boca imensa abrir e fechar, abrir mais uma vez e, quando acreditei que, enfim, ela me devorariae acabaria com aquilo tudo, simplesmente a coisa sumiu.

Foi embora, permititndo que o sol brilhasse dentro da minha casa mais uma vez. Livrando meu corpo daquele peso que me subjugava, embora nada parecesse ter prendido ele antes daqueles breves e eternos segundos. Sumiu-se na claridade do dia, levando consigo sua boca profunda e fedorenta. Apenas o espelho restou como testemunha, pois ali ficou gravada uma forma esfumaçada, que até hoje me arrepia os pelos da nuca. Contudo, eu não consigo me livrar dele.

É por isso que eu, desde então, costumo dizer: "Não desce as escadas se não tiveres coragem para encarar o que se encontra nos subterrâneos".

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