Em algum momento eu desapareci; nem senti como. Apenas vi minha sombra se alongando no muro que estava a minha esquerda até que, por fim, dobrou na esquina e sumiu, juntamente comigo.
Certamente ficou um rastro porque alguém tentou especular por onde eu andaria. Mas não dei chance ao desconserto que causei em outros e, até, em mim. Segui caminhando, com minha sombra a frente, alongada pelo ângulo dos raios de sol que incidiam sobre a calçada.
Não haviam árvores naquela rua, nem na que deixei para trás, nem na que eu via a frente. Tão estranho isso, porque onde quer que eu vá, eu sempre trato de achar uma árvore, ao menos uma, para que minha sombra descanse debaixo da sombra das folhas.
Mas, sem suspeitar de mim, eu também parei de suspeitar desta ausência de verde; da ausência de qualquer outra cor que não fosse o vermelho dos tijolos e o cinza do cimento e da poeira. E lá no alto, somente laranja intenso, obliterando quase totalmente o anil.
Prossegui andando, seguindo o muro a minha esquerda, mantendo a rua a minha direita e a sombra a minha frente. Até levantei a mão para tentar diminuir o brilho do sol que borrava meus olhos, mas não surtiu muito efeito. Ao longe, o asfalto soltava aquele vaporzinho que se vê sempre que o sol torra tanto o chão que torna o panorama um misto de realidade e miragem.
Algumas frases voavam sobre minha cabeça, formando balõezinhos de HQ:
"Hay que endurecerse..."
"Eu tenho medos bobos..."
"Se chorei ou se sorri..."
"Só tem uma vida completa quem escreve..."
E por aí iam meus pensamentos, vagando tanto quanto meu corpo desaparecido numa paisagem de quadro. Eu estava vivendo a catarse dos que tudo perdem sem ter feito algo para tanto, embora não fizessem nada para evitar esse tanto.
Muro vermelho, sol laranja, céu de brigadeiro, asfalto cinza derretido, poeira nos olhos, suor respingando e meu corpo ainda seguindo sua sombra sem destino.
Espantei os balõezinhos de HQ, as cores esfumaçadas e a inquietação por nunca chegar ao final daquelas ruas infinitamente iguais. Por fim, minha sombra alongada respingou sobre uma placa, afixada no muro a minha esquerda:
"Peligroso para aquellos que excedan".
Decidi ultrapassar, porque sempre sofri medos absurdos e senti coragens bobas, ao contrário de uns e outros tão boba e absurdamente humanos. Não seria agora que eu mudaria meu sentir.
Escalei o muro e observei o que havia do outro lado: um sorriso amistoso, mas que me causava uma espécie de terror ou frenesi; uma grama verde bem cuidada num ponto à esquerda e totalmente selvagem à direita; uma espécie de laguinho escuro, que escorria pela beirada de uma brecha no muro vermelho que cercava tudo. No fundo, bem lá no fundo, uma aparente árvore solitária.
Resolvi pular para dentro do que parecia ser o quadrado que comportava essa paisagem de sorrisos e paleta de pintor. Caminhei até a árvore, que estava verdejante de passarinhos. Enfim, minha sombra pode aplacar a inclemência do sol, que quase havia feito com que fosse apagada.
Finalmente, arranquei a sombra do tapete de gramado e seguimos o curso do lago escuro, em cujas águas desenhos de peixes dourados serpenteavam, até chegarmos onde ele despencava muro à fora.
Então bateu uma vontade incontrolável de pular na água: varrer o sol ardente, a poeira e a sede que eu e a sombra havíamos sofrido antes de pularmos o muro.
Empurrei a sombra primeiro, sabe-se lá o que poderia acontecer comigo se eu caísse no lago antes, mas a malvada agarrou minhas canelas e puxou-me para a correnteza rindo de minha cara de expectativa disfarçada em susto.
A vertente nos levou, nos levou até que ultrapassamos a fenda do muro. Acabamos escorrendo lentamente por algo que acredito ter sido uma parede, cor verde água. Seria a mancha do rio ou o rio manchado de parede?
Tombei numa poça rasa. Minha sombra fugiu com pressa, assustada do desastre que via.
Eu tinha derramado um copo de água no chão do escritório frio, enquanto observava a aquarela desnorteante de alegria que se encontrava pendura na parede
2 comentários:
Achei de muito bom gosto teu trabalho e é certo que irei posta-lo,
como havia te dito antes, me satisfaz muito expor trabalhos de qualidade.
Muito obrigada pela visita Eddie Avila e pelo comentário. Seja bem vindo aqui.
Abraço.
Adriane
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