Todas minhas paixões
escoaram pelo ralo.
Se por acaso alguma
sobrou não a sinto. Creio mesmo que elas soçobraram diante de meus olhos
silenciosos e secos, secos com a areia desta terra, com o barulho da gente e
dos outros que moram aqui, com o marulho silencioso do tempo.
Não existem outras
paixões que possam ocupar o lugar das que se perderam. As paixões novas nunca
me causaram impacto como as velhas, dolorosas e angustiantes agonias dos amores
deixados em barris para amadurecerem, como o vinho que não bebo, embora às
vezes sim.
Tudo que hoje me toca
é passageiro, fugaz e pequeno. Nada como uma antiga paixão para curar um
coração velho antes do tempo, mesmo que eu nunca tenha acreditado nisto. Mas
elas se foram, talvez o barril nem tão velho não tenha sido o adequado para
maturar emoções como estas que eu tinha.
A paixão pela música
se foi.
A paixão pelos livros
se foi.
Pela escrita.
Pelo amor.
Pela vida e pela
morte.
Vejo toda essa
intensidade flutuando em direção ao azul do céu e, mesmo assim, não me importo.
Parece que ficou um pouco vazio aqui dentro, sinto meu corpo leve e pesado, mas
é um incômodo passageiro. Acho que já passei da idade em que essas emoções
importavam. Agora penso que prefiro isso, um quase tudo repleto de nada.
As ideias também
partiram, deixaram de sacudir meu cérebro, de remexer com as sombras nos sótãos
e desvãos da minha cabeça que pouco conheço. Pairam partículas de poeira e mofo
no ar parado deste ambiente irrequieto que pertence a parte de cima do meu
corpo.
As ideias também eram
uma paixão minha, mas não as quero agora. Deve ser por isso que elas se foram,
como todas as outras paixões que eu tinha, mas me abandonaram. As paixões
sempre me abandonam. Creio que nasci para tê-las e perdê-las, não por querer,
mas porque não sei lidar com elas.
As paixões se sentem
traídas por mim, desprezadas e me abandonam. E eu as deixo partir porque eu não
sei prender nada, porque não gosto de domar o que não pode ser.
Então as paixões se
perderam, naufragaram, me abandonaram ou sei lá o que. E eu fiquei sentada na
escada da varanda vendo suas sombras irem diminuindo, enquanto avançavam pela
estrada da vida, poeirenta, seca, repleta de perigos e de encruzilhadas, mas
também de outros aspirantes a apaixonados.
Eu nunca soube ir
atrás de paixões que decidem partir, assim como nunca soube lidar com as que
resolveram ficar um pouco mais.
Eu simplesmente
observo a partida, com o corpo meio dolorido, meio aliviado.
Eu nunca soube como
sentir.
6 comentários:
Sintomas deste nosso tempo... O teu texto me expressa. Perdi as contas de quantas vezes me senti exatamente do jeito que contas. Abração!
Grata Andréia por ler, gostar e se identificar.
Tempo cruel não? kkkkk
Abraço
Novamente, teus textos me atravessando! Quando terminei de ler, lembrei de uma imagem da atriz Marilyn Monroe http://www.lpm-blog.com.br/wp-content/uploads/2012/07/Ballerina_MiltonGreene_5-006.jpg
Talvez por ter lido o livro "Fragmentos", com cartas, poemas e anotações dela, senti que a tua escrita e a imagem acima dialogam, de alguma forma.
Beijos!
Opa! Já comentaste!!! Legal.
Fico feliz que tenhas gostado.
Quando isso ocorre com um de meus textos acredito que alcancei meu objetivo.
Abração Lidi
Não só me identifiquei completamente, como o levei e publiquei em meu mural. Espero que não se aborreça. Foi só publicar lá, e já tem várias pessoas comentando. Passe lá para ver. Parabens, querida. Está algo que eu gostaria de ter escrito. MARAVILHA.
Obrigada Gil por divulgar e por comentar. Irei ver sim os comentários no teu mural.
Bjs.
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