Muitas vezes tenho a sensação que sou feita apenas de fúria, granizo, vento e maresia. De ondas dantescas ao estilo tsunami ou de calmarias que antecedem ciclones que atingem a costa e, se houver alguém por perto, é levado por ele e nunca mais é encontrado.
Em outras, eu tenho a impressão de que o mundo me rodeia, me rodeia até que se apóia em meus ombros como uma carga que eu vou carregando como quem nada quer, sem nada sentir, mas de repente, o peso se faz tão opressivo que me esmaga no calçamento frio.
As vezes tenho a certeza de que sou mais do que Maria e João.
Sou José, com sua pedra que ele não quer mover um milímetro. Sou o bicho homem que rebusca o lixo e lambe os beiços. Sou a junta de bois velhos, que carregaram as crianças, mas agora que eles cresceram a utilidade dos bovinos doentes lhes cansa, e eles escolhem a chacina. Sou a doméstica que queria ser uma estrela e só encontrou a morte na avenida.
Outras vezes, esqueço essa bobagem toda e me viro apenas em pessoa que vai a pé para o trabalho, tem uma vida pacata, sentimentos tranquilos. Um ser incógnito que vigia a vida com ares de esperança de que um dia, graças a Deus, tudo que é tão difícil vai acabar. Sou apenas gente que crê, espera e tenta continuar indo de porta em porta para ajudar quem quer ter fé.
Eu persigo o ser simples, refreio os personagens esquisitos, tento controlar o mar revoltoso e prossigo em me descomprimir do asfalto para continuar tentando carregar um mundo que não me pertence.
Na maioria das vezes, eu sou apenas o eco de passos esquecidos na escuridão da noite fria.
Por isso, eu apenas sigo.
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