"Me desculpe", continuou ela a escrever a carta depois de uma pausa para reflexão. Se não fosse agora ela nunca mais falaria.
"Me desculpe", continuou, "mas é que de vez em quando eu também preciso de um pouco de gentileza. Sim, eu sei não sou um dos seres mais gentis que conheces. Mas até eu, que sou rocha e casca, preciso as vezes de um pouco de calor humano. E ele me tem sido tão raro, tão raro...
Talvez porque quem me vê na minha dureza de pedra e na minha nodosidade de casca não consegue perceber a minha humanidade renegada e carente, e assim sendo, não conseguem sentir essa necessidade infantil que se oculta no meu tronco oco ou no meu terreno solidificado.
Aqui, então, se pouca água corre, que dizer de um afago, de uma palavra, de um olhar de compreensão.Até porque, mesmo quando acham que entenderam, eles descobrem que ainda não. E se conformam apenas em... em o que?" Ela parou de escrever por alguns instantes e ficou meditando naquele parágrafo que até a ela pareceu meio estranho. Mas continuou em seguida.
"Pior fica quando o céu azul se torna cinza e de onde não se espera, embora esperando, vem a palavra fria, a acusação dura e o grito inconsequente, que fere a casca e lasca a pedra, como se uma espada golpeasse sua dureza. Fica lá dentro o eco do ferro e a seiva escorrendo como sangue, só que invisível.
Então, me perdoa se admito essa minha fraqueza, mas é que mesmo a pedra mais dura e a casca mais velha ainda podem perder alguns pedaços, que, inevitavelmente, não serão mais recuperados".
Ela finalizou sua missiva. Dobrou a folha, colocou-a em um envelope que lacrou. Depois guardou o mesmo junto a todos os demais envelopes que nunca enviara durante sua vida, pois sabia que não havia a quem.
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