Entardeceu. Espero
prosaicamente o final da claridade que ofusca meus olhos.
Eu quero o refúgio das
horas dos gatos pardos, dos seres perdidos, dos desequilibrados pela ilusão
etílica, de todos aqueles que, por algum motivo, desejam a escuridão para
prosseguir respirando.
Tudo porque existe um
domo circundando meus passos aleatórios. E nada tem de Stephen King nesta
caminhada, nenhuma influência de contos terroríficos. Apenas ando e sinto a
redoma ao meu redor, pressionando meus membros que nada irão fazer para quebrá-lo,
seja de bom ou de mal. Isso vai evitar muita confusão, muita alegria ou
tristeza. É assim que prefiro sentir nos últimos tempos.
Prefiro a patologia do
descaso e indiferença temporários, do que ter que dar voltas e mais voltas para
consertar sentimentos feridos ou felizes.
Tenho caminhado muito
também, com passos largos e apressados, apesar das minhas pernas serem curtas. Tudo
para cansar pés e braços. Eu danço também. É a festa do desperdício de energia.
Quanto mais gasto, menos penso. Quanto mais trabalho, menos reflito. Assim caio
na cama e durmo o sono que todos merecem. Sono sem sonhos, sem pesadelos, sem
nada de perturbador.
Exceto naquela última
noite, em que sonhei com os olhos mais terríveis que já vi e que lançaram um único
olhar sobre mim, cheio de desprezo, buscando descobrir minhas fraquezas para
atingir seus objetivos escusos, travestidos de uma perfeita inocência.
Mas disso também já
esqueci. Não me resta tempo para pensar em olhares perversos, porque outros
dilemas me rodeiam e eu preciso ter a solução mais rápida possível para estes,
embora nem sempre a mais satisfatória.
Então, os dias viram
noites, que viram dias, que viram semanas e meses e, por fim, desaguam no final
do ano, onde quase tudo para, menos a folia da destemperança. Após algumas semanas
de sol e batucada, recomeça a correria outra vez.
Como de praxe, voltarei
a me revoltar com alguma injustiça presenciada ou imaginada, acabarei intervindo,
somente para, depois, chegar a conclusão de que deveria ter me calado. Poucas pessoas
querem ouvir sobre os sofrimentos alheios e menos ainda os que aceitam saber
que são eles que causam essa dor, que é seu preconceito, mesmo inconsciente,
que causa a ferida no peito de outro alguém.
Portanto, como ser
prudente e saber quando falar ou calar? Ou, melhor, como conter a revolta
diante de algo que parece tão injusto? Por que, talvez, às vezes fosse melhor
deixar o fato para lá, para que não descubram tua própria esquisitice.
No entanto, eu sei que
nada irá mudar, continuarei a luta inglória para ocultar meus sentimentos, até
que, por um caso fortuito ou de força maior, também conhecido pelo nome de
compaixão, me leva a sussurrar meu descontentamento com o machucado que foi
infligido em outra criatura, mas que, de fato, é a minha ferida, a minha, que
grita mudamente para ser vista.
Mesmo assim, creio que estou
seguindo em frente e uma hora a redoma vai ficar para trás. Eu irei sentir
alguma normalidade entrar novamente na minha linha de visão, apesar do fato de
que nada será outra vez normal, até que eu decida abrir espaço no meu íntimo
para que a vida prossiga.
Estranho. A vida sempre
volta a prosseguir, mas sempre vejo minha sombra atrás ou à frente demais. Ela
é hiperativa ou eu que ando em círculos?
E assim caminharei vida
a fora, até que o tempo decida quando devo ser totalmente transformada numa
boneca fria, que terá por última morada uma eterna redoma de vidro.
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