terça-feira, 7 de janeiro de 2014

CALHAMBEQUES NA PISCINA

Olha que estranho. Os calhambeques se afogaram na piscina, que se revoltou por causa do tempo ou da invasão da sua beirada por criadores e criaturas de metal.
Eu ainda queria entender o que estava acontecendo antes de chegar aqui. Eu só sentia que tudo era vazio agora, que tinha perdido na estrada as poucas coisas que eu pensava que eram de minha propriedade.
E agora isso, até os calhambeques se afogaram na beira da piscina. De certo, seus donos não querem entender que o lugar não é próprio para lavar suas máquinas barulhentas.
Mas eu tinha vindo aqui para descansar meus sentimentos estridentes, ouvindo o barulho das pequenas ondas produzidas pelos braços que foram construídos para permitir que outra espécie de monstros cheguem à cidade gris, aqueles monstros que flutuam.
Era a antiga dor que me acossava e me levava para um lugar que não costumo frequentar, embora seja bonito. É que a piscina tem muita areia e ela incomoda minha pele. Mas, ao entardecer, ah! como é bonito esse canto quase deserto; se não fosse a aglomeração de gente e calhambeques eu vinha mais seguido.
Eu desejava ardentemente, enquanto me deslocava para este clube ao ar livre, sentir a água quase pura molhar meus pés. Talvez eu entendesse melhor que uma perda pode significar um ganho, que se pode aprender algo com corações feridos. Infelizmente, eu não quero aprender.
Mas quando cheguei, a areia estava retorcida, a ventania gritava nos cabelos de caronas e motoristas. E estes tentavam desafogar os calhambeques embebedados pela água que transbordou desta piscina irrequieta.
“Ninguém esperava essa mudança”, anunciava surpreso um repórter qualquer. 
Desde quando os papareias não sabem que, eventualmente, a piscina riograndina se revolta e engole terra, homens do mar, conchas e calhambeques novos ou velhos? Desde quando nós desconhecemos nossa terra?
“Reportagem mais absurda”, penso irritada com a mídia, com o povaréu, seus calhambeques e músicas ensurdecedoras. 
Irritada, na realidade, porque Big River não tem mais um lugar onde se possa curtir a própria dor em paz.

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