Nem
tudo que parece é um poema.
Os dedos estão posicionados
Aguardam para digitar palavras como se fossem
notas em um piano
“Afinal, eu tenho essa tristeza dentro de mim
que se injeta em todas as coisas que faço
que não desgruda do peito e transborda tão
torrencialmente
e dói tão lentamente que eu não sei como
ainda não morri afogada”
É tão difícil fazer entender porque alguém
precisa
de vez em quando de um silêncio tão profundo
de um momento onde apenas uma melodia
melancólica
paire no ambiente e invada os olhos a ponto
de fazê-los respingar essas gotas
essas coisas chamadas lágrimas
mas que bem poderiam ter o nome de absinto
“Afinal transborda em mim essa agonia
que eu sempre digo que já vai acabar
mas eu sei que estou mentindo para que não se
espantem
com meu rosto marcado e finalmente acabem
fugindo
para longe, bem longe, tão longe quanto a
morte pode colocar alguém”.
Por isso eu digo:
“Ei! Não te preocupa.
Eu não chamarei por ti, não pedirei tua
atenção, não pronunciarei teu nome.
Podes confiar nunca pedirei sequer que
respondas a meu breve aceno
quanto mais a vontade de te ter perto da
minha mão”.
Nunca vou lamentar o fato de deixar todos
partirem
Quem é assim triste não deseja ou não admite
que outros partilhem dessa viagem nostálgica
que provem o absinto das lágrimas não
derramadas
daqueles que não sabem contar da sua alegria
quanto mais da sua perpétua tristeza
couraça para as perdas de todos os dias.
Transbordam das linhas da folha todas as
sílabas
das palavras que ficaram presas quando parti
daquelas que eu disse quando fiquei
e das que silenciei para não contrariar
ninguém.
Das palavras que sufoquei para não
constranger
aqueles que pensam que nunca amei nada além
de mim.
Mas terei amado mesmo e até além de mim?
Além daquilo que se pensa poder amar?
Ou foi aquém do que se deseja ou se pode
amar?
Todas as viagens iniciaram da mesma forma
que hoje eu digo que as finalizei e penso que
não valeu a pena
e digo que valeu a pena mesmo assim
Mas terá realmente?
Será que fiz as viagens mais importantes
e ainda assim não vi a paisagem diante dos
meus olhos?
Será que não aprendi?
Ou se entendi será que, no último instante,
acabei esquecendo e repetindo o trajeto
realizado
contudo, com os olhos do esquecimento
que nunca deveriam ofuscar nossas memórias?
Será que eles cegaram minhas escolhas
e apagaram minha passagem?
Volto outra vez, não ao início, mas para algo
que pode parecer ser o começo
entretanto na realidade é apenas uma forma
de matar o resto de tempo que não possuo
mais.
“O que foi que me possuiu então?
Que desprazer contumaz é este que me faz
voltar e voltar e voltar sem conseguir
apreender
o que está certo ou errado nesta trajetória
estranha e repetitiva?”
Transbordo novamente a linha de sombra
seja do mar seja do papel seja da vida
numa confusa tentativa de dar contornos
as indefinitudes da minha existência
Quisera ter escolhido as descrições certas
para os eventos que vivi sem ordem
cronológica
desamparada pela precocidade de um coração
que nunca estaria preparado para sentir como
sente
e pela imaturidade de um cérebro tão
envelhecido
quanto o tempo que escorre por um relógio com
ponteiros malditos
Então continuo avançando a passos largos,
embora com menos agilidade,
fingindo que não existem mais arrependimentos,
que perdoei meus erros,
e olhando para o horizonte com o queixo
endurecido
pela perseverante teimosia de uma vida vivida
com pressa
na vã esperança de que talvez agora, sim
daqui para a frente,
eu consiga percorrer o caminho e achar a entrada
para aquele lugar que eu sempre cri existir
mas nunca consegui entender como se faz para
permanecer nele.
Esse lugar onde eu sentarei e poderei dizer:
“Enfim, estou em paz”.
2 comentários:
Adriane, fiquei triste ao terminar de ler a tua publicação. Sinal de que as tuas palavras ganharam vida no meu ser interior e estão ainda ecoando na minha alma.
Sempre lindas as tuas linhas ;)
Obrigada Vania pela visita, leitura e identificação.
Eu gosto deste texto, ficou um tempo na gaveta.
Bjs.
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