Quase 1h
da madrugada. O tempo já adormeceu. Mas eu continuo de olhos arregalados, espionando
o teto. O rádio ligado. Na programação, somente músicas de outra era. Não são
músicas antigas, apenas não as identifico, ou melhor, não me identifico com
elas.
Meu
cérebro gira a toda velocidade. Não para um segundo faz mais ou menos uma
semana. Danada essa sensação de helicóptero dentro da cabeça. As ideias ficam
voluteando, voluteando, feito mariposa contra a lâmpada. Querem se matar eu
acho.
Está tudo
quebrado, não adianta colar as fotos, nada vai mudar. Além disso, sei que já
vivi todas as emoções humanas possíveis. E foi muito exaustivo. Não preciso de
mais um dia para sentir porque nada mais tem. Foi adrenalina demais.
É por
isso que vou cortar os pulsos. Depois vou me olhar no espelho e imaginar como
teria sido se não tivesse feito isso. Eu
seria tolo em conter os sentimentos que me fazem louco. Prefiro a
loucura anunciada à tolice resignada. Mas eu sei que a madrugada está apenas no
começo e só o teto me olhadesconfiado por causa das feridas duplas secas que vão
pingado descompassadas no chão.Ploc, ploc, ploc.
Por
isso eu sempre detestei psicologia barata. “Só os covardes se suicidam”. “A dor nos torna mais humanos”. “A esperança
é a última a morrer”. Tudo estapafúrdio, confuso. Não acredito que alguém
acredita nisso.
Meu
sangue está escorrendo há tanto tempo e não termina. Quem disse que o corpo só
possui cerca de seis litros de sangue percorrendo o sistema vascular deve ter
se enganado. Olha só, já transbordou a banheira e o meu ainda não terminou.Mas
isso também é uma bobagem. Terminando ou não eu ainda continuo aqui. Acho que
houve a multiplicação do sangue. Já vi que não vou morrer hoje. Quem sabe morro
de tédio amanhã.
Enquanto
isso vou ver aquele filme. Aquele apropriado para essas ocasiões quando o sangue
está sendo derramado e, no entanto, a gente consegue manter o sorriso na cara
da forma mais deslavada. Aquele que diz: “Então me responde: porque eu consigo mexer
nas feridas de todo mundo e ninguém consegue mexer nas minhas?”, ou coisa
semelhante.
Psicologia
é coisa para gente forte.
Vou
assistir ao filme de novo e novamente e outra vez. Tantas quantas forem
necessárias, somente para dar um colorido a mais nesse piso negro onde caminho
de meias, sentindo frio, fome e sede, apesar do meu corpo estar bem fornido.
E o
sorriso vai permanecer na minha cara tranquila, esticado até doer os carrilhos
porque é assim. Ninguém toca a ferida que não é minha porque a separei de mim
quando decidi cortar os pulsos, mas acabei não morrendo. Simplesmente a
desloquei para algum lugar próximo do meu olho esquerdo, onde eu posso observar
todas as consequências dela e dizer que eu e ela não nos pertencíamos, embora
estivéssemos sempre juntos. Estranho isso.
O
fato é que já acabei estudando todos os caráteres humanos, já destrinchei cada
aspecto possível daquilo que parece ser gente, mas às vezes não é. Cada
milímetro de pensamento educado, bonito, feio, pesado, censurado, reprimido,
felizardo, otimista, etc., etc., e não consegui concluir nada, além disso,
que,no final, tudo é papo furado.
Ser
forte, ser fraco, ser feliz, ser triste e outras coisas mais. Não adianta, nada
é remediável ou irremediável. E é isso que me desatina, porque alguma coisa
tinha que ser ou não.
Ou
não?
Esse
é o problema a pessoa pensa demais e ai fica assim, sem resposta nenhuma, a não
ser esta: no atual estágio não existe resposta certa ou errada. Só aquele órgão
que dói, mas continua ali, apesar de estar faltando.
Eu
não me conformo com isso.
Por
que algo ou alguém é ou não e pronto. Ou está ou não. Ou tem ou não. Mas enfim,
tudo acabou terminando nesse ponto de interrogação e ninguém, na verdade, quer
a resposta.
Talvez
somente eu.
Talvez
somente eu seja assim, totalmente certo e errado, estando sem estar; sendo sem
ser; tendo, embora esteja perdido. E, ainda assim, o teto ainda não me
respondeu. Continuo olhando pra ele, mas hoje não vai ter nenhuma resposta. Por
isso eu cortei os pulsos, mas eles já estão cicatrizados.
Melhor
eu assistir ao filme, porque sei que vou dormir depois. Senão amanhã não vou
dar nem para o trabalho.
Boa
noite,
Adicius.
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