Eu quero escrever, mas esta
única sensação não sai de meus dedos, meu pescoço e meu peito, apenas isso
absorve minha mente agora. Quero falar de outra coisa, pensar em outra coisa,
sentir outra coisa, mas não consigo porque somente isso fica latejando entre
meus olhos.
A sensação escorrega entre
as paredes e gruda em mim. Um odor voluteia pelo ambiente enquanto vou tentando
fugir da sombra que cega minha vista. É quase pesadelo e mesmo assim fico
segurando a ponta dele, pois não quero que se vá, que se funda com o resquício
da escuridão que se dissolve ao amanhecer.
Nunca houve pesadelo tal
como esse, que se pretende que acabe, mas se implora que continue.
Então tocou minha mão, como antes
tocara meu antebraço. Os dedos suaves e delicados ali pousados por alguns
segundos, displicentemente, num gesto casual sem importância, no entanto tão
calmamente excitante. Por um minuto meu coração parou de doer, serenou e voltou
a bater reconfortado por um desejo que há muito não admitia.
A ilusão de reciprocidade
foi perfeita. Como antes já havia sido.
Agora não mais.
E aí a confusão se instalou
completamente em meu cérebro.
Fico perseguindo ideias
repetidas num círculo fechado, como o louco num instituto antigo, trancado numa
cela acolchoada. Ele vai bater a cabeça, contudo não vai se ferir. A alucinação
persistirá porque o líquido precioso não foi derramado.
No entanto, isso nada quer
dizer diante do que ocorre aqui neste momento.
O tempo ultrapassou sua
própria barreira e ficou preso neste único instante, se repetindo quadro a
quadro, diante destes olhos meus que não marejam mais, mas também não podem
refletir nada do que se passa no interior deste que dizem ser meu corpo. Estes
olhos esquisitos, que brilham como os dos outros, contudo, não conseguem
expressar nada do que sinto.
O ritual vai se repetir. A
rotina prosseguirá. Eu continuarei indo e vindo, lapidando os movimentos, as
frases, as expressões para dar sentido ao desatino e normalidade ao que não
posso evitar.
As sensações continuarão me
perseguindo. Eu continuarei falando sobre todos os temas do mundo, enquanto o
pesadelo se repete e se renova todos os dias que ainda preciso andar por este
mundo. E dele não consigo largar, desse sonho tristemente ruim e insuportavelmente
bom.
Estes meus dedos estranhos
nunca deveriam tocar em sonhos personificados, em dias de outono, nem nas
gotículas do tempo que compro para não esquecer de que preciso continuar no comando
da batalha.
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